11 outubro 2006

Quando a abolição da escravatura parecia quimérica

O texto a seguir constitui-se de trechos do livro "Bury the Chains - Prophets and Rebels in the Fight to Free an Empire's Slaves", de Adam Hochschild, publicado em 2005 pela Houghton Mifflin. Este livro conta a história da campanha pela abolição da escravatura na Grã-Bretanha nos séculos XVIII e XIX. Aconselho-o vivamente a todos os que lêem inglês e queiram entender como uma minoria de abolicionistas obteve o apoio da maioria da opinião pública _ a princípio indiferente, às vezes até hostil _ a este objetivo que, na época, parecia inteiramente quimérico aos seus contemporâneos.
Antoine Comiti

Em Londres, naquele início de 1787, se você dissesse numa esquina que a escravidão era moralmente condenável e que devia tornar-se ilegal, nove em cada dez pessoas morreriam de rir, achando que você estava maluco. A décima talvez concordasse em princípio, mas lhe garantiria que acabar com a escravidão seria totalmente impossível.

Aquele era um país onde a grande maioria do povo, dos camponeses aos bispos, aceitava a escravidão como totalmente normal. Também era um país onde o lucro das grandes fazendas do Caribe estimulava a economia, onde os impostos alfandegários sobre o açúcar cultivado pelos escravos eram uma fonte importante de renda do governo e onde o meio de vida de dezenas de milhares de marinheiros, mercadores e construtores de navios dependia do comércio de escravos. Este mesmo comércio atingira uma amplidão quase sem precedentes, levando prosperidade às cidades portuárias, entre as quais a própria Londres. Além disso, em cada vinte ingleses dezenove não tinham sequer o direito de votar. Privados deste direito mais básico, como poderiam ser levados a preocupar-se com o direito de outros povos, de cor de pele diferente, do outro lado do oceano?

Este mundo de servidão parecia ainda mais normal porque quem quer que olhasse para o passado não veria nada além de outros sistemas escravistas. Os gregos e romanos tinham escravos; os incas e astecas tinham escravos; os textos sagrados da maior parte das grandes religiões apresentavam a escravidão como coisa natural. A escravidão já existia antes do surgimento do dinheiro e da lei escrita. Era assim que o mundo - o nosso mundo - era há apenas dois séculos e, para a maioria do povo daquela época, era impensável que pudesse ser de outro modo.

Se insistíssemos, talvez alguns britânicos admitissem que esta instituição com certeza era desagradável - mas de onde viria o açúcar para o chá? Como os marinheiros da Marinha Real obteriam o seu rum? O comércio de escravos "não é um comércio agradável", como diria um membro do Parlamento, "mas o comércio de um açougueiro também não é um comércio agradável, só que, apesar disso, uma costeleta de carneiro é uma coisa ótima."

Claro que havia pessoas que preconizavam o fim da escravatura, mas eram raras e dispersas.

Com certeza havia no ar um sentimento de mal-estar latente. Mas sentir um problema vago, quase inconsciente, é uma coisa; coisa bem diferente é acreditar que algum dia possamos mudar esta situação de fato. O parlamentar Edmund Burke, por exemplo, opunha-se à escravidão mas achava que a simples idéia de dar fim ao comércio transatlântico de escravos (sem falar da escravidão propriamente dita) era "quimérica". Apesar do mal-estar que os ingleses do final do século XVIII pudessem sentir com o tema da escravidão, a idéia de acabar com ela parecia um sonho ridículo.

Quando os doze homens do comitê abolicionista se reuniram pela primeira vez em maio de 1787, os poucos que exigiam abertamente o fim da escravidão ou do comércio de escravos eram considerados meio doidos ou, no máximo, como idealistas incuráveis. A missão que empreenderam era tão monumental que parecia impossível a todo mundo.

Esses homens acreditavam não só que a escravidão era uma atrocidade como também que era uma coisa passível de solução. Achavam que, como os seres humanos têm capacidade de se preocupar com o sofrimento dos outros, o fato de expor a verdade à luz do dia incitaria o povo a agir.

Dali a alguns anos, a questão da escravatura chegara ao centro da vida política britânica. Havia um comitê pela abolição em todas as cidades e vilas importantes. Mais de 300.000 britânicos recusaram-se a comer açúcar produzido por escravos. As petições pela abolição inundaram o Parlamento com mais assinaturas do que nenhum outro tema jamais recebera.

Há alguma coisa misteriosa na questão da empatia humana e do que faz com que seja sentida em alguns casos e não em outros. O seu aparecimento súbito, naquele momento específico, pegou todo mundo de surpresa. Os escravos e os servos se rebelaram constantemente no decorrer da História, mas a campanha da Inglaterra foi uma coisa nunca vista: foi a primeira vez que um grande número de pessoas se mobilizou e manteve-se mobilizado durante vários anos em prol dos direitos de outros povos. Ainda mais espantoso: foi pelo direito de pessoas com outra cor de pele, num outro continente. Ninguém ficou mais surpreso com isso do que Stephen Fuller, representante em Londres dos fazendeiros da Jamaica, ele mesmo fazendeiro e personagem central do lobby pela escravidão. Enquanto dezenas de milhares de pessoas protestavam contra a escravidão assinando petições, Fuller espantou-se porque "não mencionavam nenhuma injustiça nem nenhum tipo de preconceito que afetava a elas mesmas".

Os abolicionistas tiveram sucesso porque levantaram um desafio enfrentado por quem quer que se preocupe com a justiça social: tornar visível os laços entre o próximo e o distante. É comum não sabermos de onde vêm as coisas que utilizamos; ignoramos as condições de vida daqueles que as fabricam. A primeira tarefa dos abolicionistas foi levar aos britânicos a consciência do que estava por trás do açúcar que comiam, do tabaco que fumavam, do café que bebiam.

(Traduzido por Beatriz Medina)

A reprovação do assassínio dos animais pela opinião pública

Segundo um estudo(1) financiado conjuntamente pelo ministério da agricultura, a maior parte dos franceses demonstra uma clara reprovação pelo assassinato dos animais quando se trata de caça e de touradas, porém apenas uma minoria reprova a morte dos animais quando se trata do fator alimentício.

Você considera normal matar um animal durante uma tourada.
=> 88% dos entrevistados não estão de acordo(2).

Você considera normal matar um animal na caça.
=> 59% dos entrevistados não estao de acordo(2).

Você considera normal comprar uma ave e abatê-la você mesmo.
=> 40% não estão de acordo(2).

Você considera normal matar um animal na pesca.
=> 39% não estão de acordo(2).

65% dos entrevistados concordam com o fato de que não se sentiriam bem se olhassem animais serem abatidos.

Você considera normal que os homens criem animais para comer carne.
=> 14% não estão de acordo.

Quase todas as pessoas que não estão de acordo que seja normal que o homem crie animais por causa da carne consomem elas mesmas a carne dos animais.

A idéia de que não devemos matar um animal sem necessidade é suficientemente compartilhada pela opinião pública no sentido de que o Código Penal, artigo R-655-1, proíba explicitamente no caso de animais domésticos ou domesticados - particularmente os animais de criadouros.
Matar um animal doméstico ou domesticado ou em cativeiro, desnecessariamente, publicamente ou não, voluntariamente ou não, é punido com multa prevista nas contravencões de quinta classe.

A afirmacão de que é normal que o homem mate os animais para o uso da carne ou de que é normal que o homem mate os animais para comê-los ainda que isso não seja necessário para viver com saúde não foi incluída na pesquisa.

Parece que, atualmente, pelo menos 14% das pessoas interrogadas teriam exprimido não estarem de acordo com essas afirmativas.

Antoine Comiti

(1) « Le rapport à la viande chez le mangeur français contemporain [O Consumidor francês contemporâneo e sua relacão com a carne]», novembro 2004, in: http://www.esc-toulouse.fr/m_pages.asp?page=480&menu=234
(2) Pessoas que afirmaram "não estarem de acordo" ou mesmo "pensarem o contrário" entre 1000 pessoas interrogadas.

(Traduzido por Anna Cristina e Laura Swarovski)

Resolução para a abolição do consumo de carne

Uma resolução para a abolição da carne foi escrita coletivamente e inserida na internet(1). Ela pode ser encontrada aqui:
Porque a produção de carne implica que matemos os animais que comemos,

porque numerosos animais sofrem nas condições em que são criados e mortos,

porque o consumo de carne não é uma necessidade (uma alimentação sadia sem carne animal sendo ou podendo estar à disposição em quantidade suficiente),

porque os seres sensíveis não devem ser maltratados ou mortos sem necessidade,

a criação de animais, a pesca e a caça dos animais feitos para obter carne, assim como a importação, a venda e o consumo de carne de animais, devem ser abolidos.
(1) no grupo abolitiongroupe (grupo francófono):
http://fr.groups.yahoo.com/group/abolitiongroup/

(Traduzido por tradutoresbenevolosparanimais@yahoogrupos.com.br)

27 outubro 2005

Movimento pela abolicão da carne

A maioria das pessoas pensa que não se deve matar um animal sem uma razão plausível. Na França, o Código Penal proíbe matar sem necessidade uma vaca, um porco ou uma galinha.

Cada vez torna-se mais e mais divulgado o fato de que não é necessário comer carne para se viver saudavelmente.

Será que não chegou a hora de pedirmos a abolição da carne?

Por que não fazermos desse pedido – enorme na aparência embora tão simples – um objetivo maior do movimento animalista mundial?

Claro que devemos também continuar descrevendo, denunciando, mostrando os sofrimentos e as privações impostas aos animais. Devemos continuar pedindo a proibição de práticas que consideramos chocantes: uso de gaiolas minúsculas, mutilações, foie gras, touradas, etc. É necessário que continuemos denunciando a realidade imposta aos animais e a conclamar a importância da sensibilidade dos mesmos assim como a nossa própria. Devemos continuar questionando o especismo e promovendo o vegetarianismo e o veganismo .

Mas isso não é suficiente.

Agora tornou-se incoerente não exprimirmos claramente o pedido político da abolição da carne.

Mas nem mesmo ousamos formular tal pedido já que sua realização parece uma utopia. Temos receio de ser considerados fanáticos e desejosos por impor nossas idéias aos outros.

Estamos errados. Errados por considerarmos que até o menor comedor de carne seja um defensor dos abatedouros. Errados por supormos, sem sabermos ao certo, que a sociedade ainda não está pronta para escutar nosso pedido e muito menos debatê-lo.

No século XVIII, a escravidão humana, legalizada, era uma peça básica da engrenagem da economia colonial. Era utópica a idéia da abolição daquela prática universal e milenar. Devemos nos inspirar nos ativistas abolicionistas que se organizaram para tornar tal prática ilegal.

Lutemos, cada um a seu modo, nessa ampla campanha mundial pela abolição da carne.

Antoine Comiti

(Traduzido por Anna Xavier, Laura Swarovski e Cristina Rodrigues)